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Opinião: Retrocesso sobre aquisição e arrendamento de terras por estrangeiros

30/06/2012
Por *Fábio Hage, Marcus Peixoto e José Eustáquio Vieira Filho O Estado é soberano e não perde o controle da ocupação do território O aumento dos preços agrícolas atingiu níveis alarmantes a partir de 2007, o que caracterizou o fenômeno da “agroinflação”. Embora tenha se registrado um arrefecimento na crise financeira internacional de 2008, os preços dos alimentos voltaram a crescer em 2009. A elevação generalizada dos preços agrícolas interfere, de um lado, na segurança alimentar e causa, de outro, impacto no crescimento da pobreza, já que reduz o nível de renda relativa das famílias. O risco inflacionário pode comprometer, principalmente, o crescimento de longo prazo dos países importadores de alimentos. A “agroinflação” pode ser explicada por um conjunto de fatores surgidos ao longo da última década. O forte crescimento econômico experimentado pelos mercados emergentes, a elevação dos preços internacionais do petróleo, o avanço da produção de biocombustíveis, os efeitos climáticos adversos à produção e os baixos estoques de alimentos no mundo foram fatores que contribuíram para a elevação dos preços. Aliado a tudo isso, o crescimento da população mundial, que atingiu um contingente de 7 bilhões de habitantes no final de 2011, foi significativo. Com os preços dos alimentos em expansão e a expectativa de forte crescimento populacional para os próximos anos, a questão da aquisição de terras por estrangeiros no mundo vem chamando a atenção, em especial em regiões africanas e latino-americanas. A compra de terras por estrangeiros é uma maneira de minimizar os efeitos negativos do processo inflacionário no mercado, garantindo acesso privilegiado aos alimentos e, ao mesmo tempo, mantendo a redução da pobreza e o crescimento econômico. No Brasil, a aquisição de terras por estrangeiros cresceu desde 2008. O aumento do fluxo da compra de propriedades rurais por estrangeiros levou a Advocacia Geral da União (AGU) a definir, em 2010, nova interpretação da legislação vigente, no intuito de limitar o acesso de estrangeiros à propriedade fundiária nacional. O parecer (nº LA-01, de 2010) retrocedeu à legislação da década de 1970, assegurando a compatibilidade entre o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, e a ordem constitucional de 1988 (especialmente em face da garantia constitucional do desenvolvimento nacional e dos princípios constitucionais da soberania, da independência nacional e da isonomia entre brasileiros e estrangeiros). Estendeu às pessoas jurídicas brasileiras com a maioria do capital social detida por estrangeiros, pessoas físicas, residentes no exterior, ou jurídicas, com sede no exterior as mesmas limitações impostas às pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil. O parecer foi aprovado e publicado no DOU, criando restrições a vários outros setores de atividade econômica (como saúde, comunicações, mineral etc.). Os investimentos estrangeiros na agricultura brasileira cresceram de forma expressiva desde a implantação do Real em 1994, quando a legislação era favorável ao ingresso dos investimentos. Desde 2000, o capital externo já vem participando intensamente no processo de expansão dos setores sucroalcooleiro e de florestas (papel e celulose). Houve grandes investimentos estrangeiros nas regiões de fronteiras agrícolas produtoras de grãos e algodão, tais como Mato Grosso, Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins. Além de contribuir para a rápida expansão da oferta brasileira desses produtos, o capital externo tem contribuído para acelerar o processo de construção de um novo padrão de governança nesses setores. Estima-se que as restrições do governo decorrentes do parecer da AGU, desde 2010, sobre aquisição e arrendamento de terras agrícolas por empresas estrangeiras devem gerar prejuízos de cerca de US$ 15 bilhões ao agronegócio, por inibir investimentos estrangeiros na forma de capital de risco (Private Equity ou Venture Capital). São inúmeras as razões que levam os Estados a adotarem políticas de restrição ao acesso de estrangeiros à terra. Dentre os principais motivos, além do nacionalismo e xenofobismo, destacam-se a segurança nacional, o domínio da infraestrutura, a prevenção contra a especulação estrangeira, a preservação do “tecido” social da nação, o controle dos investimentos diretos estrangeiros, a regulação da imigração, bem como a garantia do controle da produção de alimentos. O debate acerca da aquisição de terras por estrangeiros é controverso e varia na legislação de diferentes países. Todavia, é preciso ressaltar que o Estado é soberano e não perde o controle da ocupação do território nacional, mesmo diante da existência de uma legislação mais flexível ao investimento externo estrangeiro na produção agrícola. No que tange à segurança alimentar, caso haja desabastecimento do mercado interno, o País pode adotar quotas e impostos de exportação, bem como criar estoques reguladores. Quanto à soberania nacional, os estrangeiros estão sujeitos às mesmas regras jurídicas e ambientais que o produtor brasileiro. Havendo qualquer discordância com a legislação ou mesmo uso indevido da terra, pode-se adotar a desapropriação como medida corretiva. Não há dúvida de que é preciso monitorar a aquisição de terras por estrangeiros, o que pode ser feito por meio de registro e atualização dos dados de propriedades rurais. A restrição imposta pela legislação à aquisição de terras por estrangeiros pode reduzir ou mesmo inviabilizar parte dos investimentos produtivos no setor agropecuário brasileiro, em especial nos estados cuja economia depende desse segmento. *Fábio Augusto Santana Hage é consultor legislativo do Senado na área de Direito Civil e Agrário (hage@senado.gov.br). Marcus Peixoto é consultor legislativo do Senado na área de Política Agrícola e Agrária (marcus.peixoto@senado.gov.br). José Eustáquio Vieira Filho é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade de Brasília (UnB) (jose.vieira@ipea.gov.br). Sou Agro
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