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É possível plantar sem desmatar

12/10/2009
É possível plantar sem desmatar Como superar a briga entre ambientalistas e ruralistas sobre as áreas de preservação do país Os agricultores de todo o Brasil estão atentos a uma data: 11 de dezembro. Não é o dia do plantio, da colheita nem do abate do gado. É o prazo final, segundo um decreto presidencial, para o registro de todos os 5,17 milhões de propriedades rurais do país no órgão ambiental, designando a reserva legal (a porção de floresta preservada obrigatória) e as áreas de proteção permanente (os topos de morros e beiras de rios) de sua propriedade. Quem não fizer isso pode ter a fazenda embargada. Essa medida, em princípio burocrática, virou uma ameaça, porque a maioria dos agricultores desmatou além do que a lei prevê hoje. Estima-se que mais de 95% deles não tenham reserva legal. Se a lei for cumprida à risca, eles terão de recompor a mata nativa desmatada e encolher a terra produtiva. Hoje, ninguém sabe a extensão da área total em questão. Mas, segundo a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), cumprir a lei "pode acabar com o sistema de produção de alimentos que o Brasil construiu nos últimos 40 anos". Essa perspectiva gerou uma crise nacional entre ruralistas e ambientalistas. O cerne da disputa está no Congresso. A bancada ruralista na Câmara conseguiu assumir a liderança e a maioria (com dez dos 18 membros) de uma comissão especial para reformar o Código Florestal Brasileiro. A comissão condensará quase 400 projetos de lei em tramitação para chegar a uma proposta de leis ambientais. Os ruralistas entenderam como sinal de apoio a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o país não terá meta de desmatamento zero. "Mesmo que o Brasil fosse careca, sempre vai haver alguém que vai querer cortar alguma coisa", disse Lula na cúpula Brasil/União Europeia, em Estocolmo. Os ambientalistas estão reagindo dentro e fora do Congresso. "É um absurdo querer mudar para pior o Código Florestal às vésperas da reunião de Copenhague", disse o deputado Sarney Filho (PV-MA), referindo-se à reunião da ONU, em dezembro, quando 192 países tentarão um acordo para reduzir as emissões responsáveis pelas mudanças climáticas. Estima-se que 20% delas sejam provenientes do desmatamento tropical. Por isso, o destino das florestas brasileiras está no foco da discussão internacional. Diante da briga pelo Código Florestal, uma coalizão das 15 principais ONGs do país emitiu uma nota conjunta afirmando que a comissão põe "em sério risco as principais leis brasileiras que regulamentam o controle do desmatamento". Agora, elas se preparam para levar a campanha para as ruas. Esse ambiente de conflito não é bom para o país. O desacordo interno enfraquece qualquer proposta brasileira em Copenhague para criar mecanismos de compensação por nossas florestas preservadas. Além disso, a insegurança é ruim para as empresas brasileiras de agronegócio que estão abrindo capital e se expandindo no exterior. Os números apresentados pela CNA para questionar a aplicação do Código Florestal são assustadores. Segundo eles, se as leis fossem cumpridas, a soma de todas as áreas protegidas, como parques, reservas indígenas e reservas legais, ocuparia 71% do território nacional, restando apenas 29% para a agricultura e para as cidades. Hoje, no entanto, 44% do território estaria ocupado para esses usos. Se o país fosse se adequar à lei, os agricultores teriam de abrir mão de 26% da área ocupada. Pelos cálculos da CNA, isso significaria uma redução de R$ 71 bilhões no faturamento do setor e a extinção de 5,7 milhões de empregos no campo. Recuperar as áreas de preservação permanente e reservas legais custaria R$ 425 bilhões. "É um ônus com que os agricultores não podem arcar", afirma Kátia Abreu. "Eles foram incentivados durante décadas a ocupar essas áreas. Rever isso dará um prejuízo imenso ao país." A estimativa da CNA vem sendo questionada por vários fatores. Primeiro, porque ela não leva em conta a produção e a geração de emprego dentro das áreas protegidas, como reservas extrativistas, onde há até criação de gado. Segundo, porque o cálculo para o prejuízo financeiro foi uma regra de três a partir da redução na área disponível. Não considera ganhos em produtividade, que são relevantes quando 20% do território nacional é ocupado por pastos com baixa densidade de bois ou por terras abandonadas. E é lá que está a fronteira do desmatamento. Para o Ministério do Meio Ambiente, o impacto na agricultura não será tão grande quanto se teme. "Não acreditamos que os proprietários terão tantos problemas para se acertar com as leis", diz Maria Cecília Wey de Brito, secretária de Biodiversidade e Florestas do ministério. Segundo ela, mesmo o que tiver de ser recuperado não será tão custoso. "Uma das opções é simplesmente cercar a área de proteção e deixar a mata se recompor sozinha. Em último caso, há até uma linha de financiamento do BNDES especialmente para a recuperação florestal", afirma. "É engraçado que, quando a gente conversa com os empresários, eles veem que o mundo mudou, que é necessário conciliar a produção com o meio ambiente." Quem trabalha no agronegócio concorda que a lei atual precisa melhorar, mas alguns grupos apostam no caminho do diálogo, e não do confronto. "São 16 mil normas ambientais no país. É um caos para o produtor seguir tudo", diz Carlo Lovatelli, presidente da Abiove, a associação que reúne as maiores empresas processadoras de soja do país. "O produtor e o investidor rural sofrem com essa insegurança jurídica." Para ele, já passou da hora de o governo promover um entendimento entre os três ministérios envolvidos - Meio Ambiente, Agricultura e Desenvolvimento Agrário - para negociar uma legislação mais simples. "Ficar brigando é um desperdício de tempo." O melhor indicador da viabilidade de cumprir o Código Florestal é o que está acontecendo em alguns setores do agronegócio. Enquanto a base ruralista no Congresso tenta mudar as leis, grandes empresas do agronegócio estão trabalhando junto com os ambientalistas para adaptar-se a elas. Na semana passada, os quatro maiores frigoríficos do país assinaram um pacto com o Greenpeace para montar um sistema de rastreamento de seus fornecedores e garantir que os bois não venham de áreas com desmatamento ilegal. O acordo foi referendado pelo governador Blairo Maggi, de Mato Grosso, que participou do encontro. "Não é preciso desmatar para produzir no país", diz Ocimar Villela, diretor de sustentabilidade da Marfrig, um dos frigoríficos que assinaram o acordo. Para ele, o Código Florestal precisa ser modernizado, mas o mercado e a indústria pedem um manejo sustentável no campo. "Essa demanda vai chegar ao produtor. Por isso, agora precisamos trabalhar para construir acordos." Villela acredita que os produtores também precisam ver que suas áreas de floresta podem ser incorporadas ao negócio. "Bem manejada para extração de madeira, a floresta preservada pode dar lucro." Segundo ele, quem desmatou as áreas de preservação permanente têm de recuperar a vegetação para o próprio bem. "Elas incluem as áreas de mananciais e margens que protegem os rios. Isso afeta a oferta de água na própria região produtiva", diz. Para cumprir o compromisso de levar as fazendas de gado a se adequar às leis ambientais, os frigoríficos estabeleceram um cronograma para capacitar os produtores. "Com técnicas adequadas, dá para triplicar o rebanho no sul do Pará sem abrir nenhuma área nova", diz Fernando Falco, diretor executivo do Grupo Bertin. Segundo ele, além de cumprir a lei ambiental, o setor agrícola precisa se antecipar às demandas dos próximos anos. "Seremos cobrados por nosso impacto no clima e na biodiversidade. Quem quer vender para mercados internacionais, como o da Europa, precisa estar atento." O setor da soja também parece ter adotado um caminho de conciliação com os ambientalistas. Na semana passada, o coordenador da campanha amazônica do Greenpeace, Paulo Adário, se reuniu com Lovatelli, da Abiove, para renovar o acordo de moratória do desmatamento. Desde 2006, as empresas associadas, como Bunge, Cargill e Amaggi, fazem rastreamento por satélite das fazendas produtoras em conjunto com o Greenpeace. Os produtores que desmatam além do permitido são excluídos da lista de fornecedores. No ano passado, foram apenas 12 casos. Todo esse controle não afetou a produção: a safra no período cresceu. "O Código atual não compromete o setor da soja", diz Lovatelli, que também é diretor da Bunge. "Ainda há espaço para expandir a área plantada no Cerrado, dentro da lei em vigor." Um dos caminhos para legalizar a situação do produtor rural é oferecido pelo Estado de Mato Grosso, que responde por mais de um terço do desmatamento do país e sofre com essa cobrança há anos. Nos últimos seis anos, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente começou a cadastrar as áreas de preservação dos proprietários. Já registrou 8 mil propriedades, que correspondem a 30% da área total no Estado. Agora, o Estado vai lançar um programa para incentivar a legalização do resto. O proprietário que desmatou além do permitido pode compensar de algumas formas inovadoras, dentro da mesma bacia hidrográfica. Ele pode ajudar na regularização fundiária de uma área do mesmo tamanho dentro de uma reserva ou parque estadual, pagando a indenização ao proprietário que foi desapropriado lá. Ou pode fazer um comodato de uma área de floresta de outro proprietário que não queira desmatar aquele pedaço. "O que foi desmatado além da lei deve ser cobrado", diz Luis Henrique Daldegam, secretário estadual de Meio Ambiente. "Não podemos pregar a desobediência civil. Mas estamos criando condições para os proprietários se ajustarem sem sacrificar a produção."


ALEXANDRE MANSUR
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